domingo, 24 de junho de 2012

Liberdade de um pensador

Da sacada do meu apartamento em um bairro nobre do Rio de Janeiro, tenho o privilégio de assistir as mais tristes e mais alegres histórias que existem. A grande razão das histórias serem emocionantes eram os tipos de pessoas diferentes que se encontravam nela, por isso decidi me formar em psicologia, ideia que completou o meu extenso cartel de possíveis carreiras, mas que de fato, nenhuma eu levei a sério. Entre elas, filosofia, letras e sociologia. De um jeito ou de outro, incorporei aos meus pensamentos atributos de Freud, Karl Marx, Saussure, Nietzsche e outros incríveis pensadores. Mas a verdade é que o meu pensamento é muito independente, e a minha paixão pelo conhecimento me levava a lugares sobrenaturais, à caminhos misteriosos, completamente distintos, construindo o humilde Arranha Céu da minha mente.

Lembro-me do dia em que acordei para a realidade, em que parei um pouco de só pensar para agir, não queria me comportar como os velhos filósofos críticos e analisadores, tendo seus feitos apenas registrado por palavras. Me levantei da minha poltrona bege velha encardida que fazia parte dos poucos itens que haviam na minha casa, derramei o café na mesa de centro que era doação da minha bisavó. Tentando reparar o estrago, esbarrei no meu antigo rádio e o derrubei. Hesitei por um momento e retornei ao meu ponto de partida me dirigindo a janela, lembrando de que eu queria por os meus pensamentos em prática, que eu queria fazer diferente, e eu tive uma resposta, o mundo lá fora se dirigiu a mim, com um vento que por pouco não me leva junto, aquela cidade continuava linda, as pessoas iam e viam da casa para o trabalho, do trabalho para casa, estavam confortáveis em saber que o mundo continuava sendo mundo, e na sua vida nada havia mudado. Todos esperamos algo novo para percebermos que está tudo velho, e eu como não sou diferente dos outros, já estava voltando a minha poltrona, pegando o meu jornal, um pouco sujo de café, para voltar a minha vida mais ou menos de pensador anônimo, quando ouço o telefone. Aguardo o terceiro toque antes de atender, porém devia ter esperado mais, devia ter esperado pra sempre, mesmo que por 7 anos eu tenha estado longe de tudo e de todos, a minha família me achou, depois de anos sem ouvir uma voz familiar, a primeira que me alcançou trouxe consigo um punhal, e o encaixou certo no meu peito. Nunca pensei que tal dor seria tão grande, nunca imaginei que eu fosse sentir algo por ela, mas agora com a notícia de que minha mãe tinha partido, todas as suas palavras tinham voltado para minha cabeça, e tudo fazia sentido, cada espaço no meu pensamento foi preenchido pelas palavras dela, desliguei o telefone. Abaixei a cabeça, e chorei. Chorei como nunca pensei que pudesse chorar, senti o que nunca pensei que pudesse sentir, pensei, o que nunca quis pensar, quis o que nunca pensei em querer. Me levantei da poltrona, peguei um paletó antigo pendurado atrás da porta e sai, a minha ação começava ali.

O dia que estava lindo da janela do meu apartamento, que fazia o luxo entrar no meu espaço abjeto não existia mais. O céu estava coberto por nuvens escuras, que logo aliviaram seu peso em gotas de chuva. Há quanto tempo não sentia a chuva, agora eu estava ali, na rua, podia ver a janela do meu quarto, de onde acompanhava idas e vindas de centenas de pessoas, agora eu estava ali, incorporado na novela que eu criei com aquelas pessoas, através dos meus pensamentos. Estava ficando encharcado, na minha casa não havia um guarda chuva, pois não estava acostumado com a chuva, e nem em sair de casa, mas eu podia aguentar, estava determinado a seguir em frente, o último pedido da minha mãe foi ser enterrada no São João Batista, há apenas dois quarteirões da minha casa, talvez ela quisesse estar perto de mim de alguma forma, mesmo após eu ter fugido de toda minha realidade familiar anos atrás. Ao chegar no cemitério, haviam apenas 3 pessoas da minha família, os 3 fantasmas que eu mais quis evitar, o meu pai, a minha tia, única irmã da minha mãe, e a minha irmã mais velha. Todos me condenavam, e me chamavam de vagabundo, mas naquele momento, eles apenas me abraçaram, com lágrimas nos olhos, e com o mesmo olhar pra mim, que penetrava na minha alma, eu não podia decifra-los, mas não conseguia enxergar algo mais agressivo que um oi. Não havia mais ninguém no local, talvez a chuva os amedrontou, ou eram apenas porcos sem sentimentos, ou estavam ao lado da minha mãe todo o tempo, e não querem ter na memória o dia da sua morte, diferente de mim, que abri mão de todas as memórias sobre ela sete anos atrás. Fiquei ali por 3 horas, até que o corpo foi enterrado, e minha tia, e minha irmã haviam ido embora, enquanto meu pai parou do meu lado, sem dizer uma palavra por cerca de uma hora. Balancei a cabeça como sinal de despedida, e voltei pra minha casa.

A chuva tinha acabado, o tempo tinha mudado, tudo estava como eu vi do meu apartamento mais cedo. Então, me dei conta de eu estava de fato dentro da maior fonte das minhas idéias, a vista da janela do meu quarto, olhei o relógio enquanto caminhava para casa, quando esbarrei com uma dama, loira, vestida socialmente para o trabalho, porém com livros na mão, que agora estavam no chão, a ajudei com os livros e segui em frente, era tudo real. Por sete anos eu fiquei trancado no meu apartamento ignorando tudo que eu podia tocar, mas agora eu senti o quanto é bom o ar da vida, o vento que me recebeu mais cedo agora fazia parte de mim, dançava em volta de mim, porém como a realidade não é tão simples, e nada atrai apenas coisas boas, ouvi um barulho e olhei pra trás, vi um sujeito tentando assaltar a moça que eu havia esbarrado, ele estava armado, ela estava desesperada, parecia dizer que não tinha nada, eu fiquei sem reação, lembrei que outrora vi outros assaltos, e ficava pensando sobre o que levava alguém a fazer isso, mas agora eu estava ali, eu não estava mas na minha mente, estava na realidade, e o meu pensamento estava fulminante pedindo ação, eu corri... não daquele lugar ou para o meu apartamento, eu corri em direção aquela moça, em direção aquele assaltante, eu corri, e na metade do caminho gritei... não de emoção, ou por ação, eu gritei, de dor porque a realidade tinha me alcançado, alcançado meu peito, em forma de uma bala, eu não havia ouvido o barulho, nem sequer vi o homem apontando uma arma pra mim, mas ele atirou e foi embora, talvez mais desesperado do que eu, que estava ali, de joelhos, tentando me manter forte, tentando me levantar, tentando reagir. Eu senti meu corpo cortado, e uma dor que me fez voltar ao meu caráter pensativo me fazendo lembrar que por 7 anos, eu me tranquei nas minhas idéias, e me sentia seguro, e no dia em que resolvi mudar, eu troquei a minha couraça de segurança, por um paleto repleto de sangue, um corpo parando de funcionar, e uma mulher sorrindo pra mim, e tudo estava ficando longe, tudo estava se perdendo, porém eu, ao contrário do que parecia, eu havia me encontrado. 

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